A candeia

04-04-2011 23:50

“Traz-me porventura a candeia para ser colocada debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser posta no candeeiro? Porque nada há oculto, que não deva ser descoberto, nada secreto que não deva ser publicado. Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça. Atendei ao que ouvis: Com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ainda se vos acrescentará. Pois, ao que tem, se lhe dará, e ao que não tem se lhe tirara até o que tem” (Marcos 4; 21-25)

 

Quantas vezes não ocultamos, aos olhos de outrem, nossas qualidades e capacidades, talvez nem tanto por sermos humildes ou por querermos não demonstrar alguma vaidade, mas pela simples incapacidade em rompermos certos taboos, certos papéis aos quais a sociedade ou nossa família nos impõem?

Durante longos anos, aprendemos a absorver certos padrões mentais ditados pelas pessoas que nos rodeiam, que estabelecem o que é certo e errado, o bom e o mal, desconhecendo que, em algumas vezes, a origem de tais pensamentos jaz em mentes doentes ou perturbadas... Assim, não incomumente, imperam em nossas decisões cotidianas alguns pensamentos como: “você não consegue fazer isso sozinho”(pensamento aprendido na infância); “não vale a pena...ninguém reconhece seu esforço” (trabalho); “isso é bobagem, não faz sentido!” (sociedade); “o que as pessoas vão pensar?” (sociedade, família); etc.

Ao primeiro sopro da descoberta da influência nefasta do exterior em nossos pensamentos, nos revoltamos, praguejamos, nos sentimos injustiçados e vitimados! Mas, talvez seja tarde... pois temos vagado em um pântano fantasmagórico de nossas próprias ilusões, sentindo-nos incapazes de vencer a névoa de nosso desânimo em buscar uma saída... ou talvez nos surpreendamos em descobrir que estamos influenciando outras pessoas com os mesmos pensamentos que aprendemos ao longo dos anos!

Obviamente, me incluo em todas essas situações, pois somos os primeiros a aprender com o que dizemos, já que nossos ouvidos são os que estão mais próximos de nossa própria boca.

Em outro dia, em nosso querido Mapory, dois jovens rapazes (mas de espíritos antiguíssimos, certamente) me ensinaram uma bela lição. Em determinada gira, eles auxiliavam um mestre a segurar duas velas, enquanto eu segurava seu cálice... Assim mesmo: sem perguntar o porquê, mas pela simples vontade de ajudar. O tempo foi passando e passando, as velas queimando, sua cera derretendo, mas eles mantinham-se firmes. Enquanto isso, o cálice em minha mão, o cálice sem base na qual eu pudesse apoiar em algum canto... Os pensamentos aprendidos ao longo dos anos desta encarnação me estimulavam a desistir da incumbência em segurar o cálice, os pensamentos do cérebro físico. Mas o xamanismo é o reconhecimento de sinais da verdade, da manifestação divina dessa verdade, e não se é xamã em apenas alguns minutos, mas sim 24 horas por dia (como diz o mestre Xamacuã). Dessa forma, abriram-se os olhos de minha consciência e calou-se minha razão “científica”: enquanto eu pensava em desistir, perante a mim os dois jovens continuavam respeitosamente sua tarefa que não fora propriamente explanada, mas à qual eles se entregaram pelo simples prazer de servir, pelo simples fato de que aquilo era o que devia ser feito.

Quantas vezes não estamos no lugar daqueles jovens, e achamos mais fácil e mais lógico simplesmente largar as velas, deitá-las sobre o solo e irmos fazer algo que nos fosse mais agradável? Quantas vezes não continuamos a segurar as velas, por risível medo sobre o que as outras pessoas poderiam pensar, ou por não acharmos o menor sentido lógico para aquilo (já que aprendemos a obedecer a uma lógica estabelecida por doutores de certificados emoldurados)?

Talvez possa fazer mais sentido irmos àquela festa, trabalharmos exaustivamente nosso corpo em uma academia para sermos bem vistos socialmente, nos entregarmos compulsivamente a alguns prazeres físicos, do que simplesmente segurar uma vela... Mas por algum motivo ela nos foi confiada e, parafraseando as escrituras santas, não nos é dada uma responsabilidade maior do que aquela pela qual somos capazes em nos responsabilizarmos (ou um peso maior do que aquele que podemos sustentar).

Assim, naquele dia, as velas não foram abandonadas por aqueles jovens, nem me demovi em segurar o cálice, até que o guardião retornasse. E ele, o guardião, segurou as velas até que a missão oculta se realizasse, quando os dedos que as sustentavam já ardiam com o calor das chamas.

Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça.”

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Só podemos ajudar alguém, se nele confiarmos.

Pois o respeito pelos outros termina fazendo com que recuperemos o respeito por nós mesmos.

Se acreditarmos que uma pessoa pode melhorar, e esta pessoa sente que a consideramos igual a nós mesmos, terá ouvidos para nossas palavras. Acreditará que pode se tornar uma pessoa melhor.