Oração à Nossa Mãe Santíssima

Mãe cuidadosa, protetora dos esquecidos,

Esperança dos aflitos, amor protetor dos desolados,

Estenda teu manto dourado sobre teus filhos, oh Virgem Santíssima, neste entardecer solitário,

Que traz o conforto da missão cumprida ao findar de mais um expediente,

E a fé em dias melhores na crença do raiar de um novo dia.

Aumente em nós o fogo da vida, que se há arrefecido,

O pálido brilho do amor, no turvo reflexo de nosso olhar,

E na certeza da unicidade da tríade divina, a perseverança do nosso caminhar;

Que possamos seguir testemunhando as diversas bênçãos de Vosso amor em nossas vidas,

Alistando novos guerreiros de luz às colunas de Tua Legião,

Salvando àqueles que vagam insanamente por entre as trevas,

Aos que sofrem sob o engano dos mestres da mentira e das ciladas dos mágicos de ilusão;

Endireitai nossos caminhos, Senhora, e Dai-nos forças em nossa jornada

Para que possamos ser vitoriosos ao término do dia nesta morada.

 

21/03/2010

 


 

Não consigo me comunicar com meus mentores!                                             

“Nós não recebemos o espírito do mundo, mas sim o Espírito que vem de Deus, que nos dá a conhecer as graças que deus nos prodigalizou, e que pregamos numa linguagem que nos foi ensinada não pela sabedoria humana, mas pelo Espírito, que exprime as coisas espirituais em termos espirituais. Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, enquanto ele por ninguém é discernido."( I Coríntios 2:12-15)

 

Não raras vezes, ouvimos pessoas próximas afirmarem que não conseguem se comunicar com seus guias e/ou mentores, guardiões, a fim de obterem instruções mais claras de como agir em momentos delicados. Outras buscam tais instruções diretamente de líderes espirituais, tarólogos, etc., que teriam maior facilidade de acessar e decodificar tais instruções.

Com certeza, toda a ajuda responsável e comprometida com a verdade é muito bem-vinda e necessária, nos auxiliando nos momentos em que as dificuldades encontradas em nossa caminhada turvam nossos sentidos e confundem nosso raciocínio. Mas, o que fazer quando deixamos as dependências do templo santo (igreja, templo, terreiro, etc.) e retornamos à vastidão desértica de nossa jornada? Que atitude tomar ao nos depararmos com uma nova situação, distinta daquelas já discutidas com nossos amigos sacerdotes?

Alguns provavelmente se verão terrivelmente solitários, mesmo naqueles momentos em que percebem uma voz em sua mente: “não vá para lá!”; “procure dormir e tudo estará melhor amanhã”; “largue esse copo agora mesmo!”; “nem mais um trago!”; “você está se matando!”. Ao identificar tais vozes, alguns imediatamente fecham o canal de comunicação, lançando um pensamento altamente negativo: “devo estar ficando louco...”.

“Mas o que dizes?! Que devemos seguir nossa intuição? Se pensar em me jogar de uma ponte, assim devo proceder?” – é o que nosso prezado leitor pode estar perguntando.

Embora óbvia, a resposta é que, igualmente em relação a um mau conselho, deve-se desconfiar de intuições que não fossem naturalmente elevadas. Normalmente, quando nos vemos em tentação, a primeira “intuição” que recebemos tenta nos advertir para não seguirmos adiante, enquanto a segunda “tenta” nos mostrar que valeria a pena cedermos. Qual das duas é espiritualmente mais elevada? Na resposta encontrarás também o que procuras: a comunicação com teu mestre.

Minha humilde experiência tem revelado que, quanto mais procurarmos seguir as intuições que nos conduzem ao “bem”, menos frequentes serão os pensamentos destrutivos ou negativos, o que nos atribuirá maior clareza de raciocínio. Com uma crescente disciplina nesse exercício, alguns se surpreenderão com o horizonte belo e infinito das potencialidades desse canal de comunicação.

Com o passar do tempo, nosso egocentrismo vai esvaindo-se e, ao descobrirmos a beleza da caridade, notamos que nossos problemas nem sempre são tão terríveis assim, que nossas dificuldades não são tão absurdas, principalmente ao compartilharmos das experiências de outros irmãos.

Finalmente, descobrimos que nossos mentores sempre estiveram conosco. Mas, por sempre idealizarmos nosso contato com eles de uma forma fantástica (como efeitos especiais de filmes de ficção), desprezamos a simplicidade do veículo de comunicação. A única verdade é aquela que reside na simplicidade.

 

Xamacuã Burukú

15/02/2011


 

Relatos de um potencial suicida

 

 

Cada amanhecer era um verdadeiro suplício para aquela criatura de um grande coração, mas preso na própria confusão de seus traumas psicológicos. Ao raiar da consciência física, permanecia ainda por quase uma hora em seu leito, inerte, acometido por um desânimo avassalador. Um trabalho extremamente cansativo, chefes exigentes, pessoas difíceis de lidar e, sobretudo, a dor de somente existir... Para que levantar da cama, afinal? Já havia inclusive tentado cometer suicídio, mas seus planos foram “misteriosamente” desarticulados por seus guardiões: a grossa gargantilha, com a qual se prendera no teto, se rompera exatamente no elo onde estava uma efígie de São Jorge...

 Ainda assim, antes de entregar-se prazerosamente ao curto período de pseudo-esquecimento oferecido pelo sono da noite, insistentemente orava para que sua vida física fosse ceifada e seus “sofrimentos” assim abreviados e para que algum sinal de atendimento à suas “preces” fosse enviado por seus mentores. Após uma noite mal dormida, perturbado por diversos pesadelos, resolveu seguir sua intuição e fazer uma caminhada pelas redondezas, notando uma multidão que se concentrava nas proximidades de um penhasco. Ao aproximar-se, notou que um carro praticamente igual ao seu havia despencado pela ribanceira, e quatro corpos jaziam estirados, ocultos por lonas negras à visão perplexa da audiência. “O motorista estava embriagado, e foi o único sobrevivente”, disse uma mulher, acenando negativamente com a cabeça. Recebera, enfim, um sinal...

Aos olhos desavisados, tal fato não passaria de uma tragédia, ou no máximo de uma irresponsabilidade do motorista. Mas analisemos a questão com nossos olhos espirituais: o motorista, que havia se entregue ao desvario da embriaguez, sabendo que dentro de pouco tempo teria que viajar com sua família, agora passaria o resto de seus dias a penalizar-se por sua culpa atroz ao haver provocado a morte daqueles a quem mais amava. Mas não é somente isto...

Qual não deve ser o assombro terrível de um suicida que, ao imaginar estar abreviando seu sofrimento põe um termo final a sua vida física, infringindo as leis divinas (presentes em grande parte das religiões), descobrindo posteriormente que sua existência continua em plano espiritual, mas com uma carga de tristeza e solidão nunca antes imaginada! E o pior é que, de forma semelhante ao motorista, passará a conviver com a culpa de ter trazido tanto sofrimento às pessoas que o amam. Órfãos e viúvas perdidos sem um pai, mãezinhas desesperadas, com o coração transpassado por setas de dor...

Mas não cometemos o suicídio apenas ao extirparmos imediatamente nossa vida física. Matamos diariamente um pouco de nós ao violentarmos nosso corpo físico com toda a sorte de maus tratos: dependência química (alcoolismo, tabagismo, entorpecentes, calmantes sem prescrição), compulsão sexual, depressão e desânimo frequentes, auto piedade, rancor, culpa, raiva... Enfim, toda uma infinidade de disfunções que afetam nosso corpo físico de forma imperceptível por demorarem a demonstrar sintomas. Algumas vezes, tais comportamentos destrutivos são insuflados soturnamente, ou ainda fortalecidos, por criaturas espirituais atraídas por nosso descenso vibracional. Conforme relatos de muitos amigos da pátria espiritual, decodificados pela psicografia, tais comportamentos são somatizados ao largo do tempo em nosso perespírito, contagiando posteriormente a matéria física. Como consequência, surgem formas violentas e intratáveis de câncer e diversos outros males que podem a ser infelizmente mortais.

Que então reconheçamos os resquícios suicidas que existem em nós, lembrando que nossa existência corpórea é apenas uma linha em nossa história espiritual.

     Saudações

 

18/02/2011 - Xamacuã Burukú.

 


VISÕES DE UM XAMÃ - por Xamacuã Burukú

 

 

Muitos optam por uma vida com drogas, enquanto outros preferem ter uma droga de vida...

 

 Se te sobrevier àquela conhecida sensação de desânimo ainda no leito de repouso, após a noite mal dormida, pensa naqueles que nem sequer têm um travesseiro para repousar a cabeça, atormentada por preocupações reais e equações tortuosas sem resposta lógica: a falta de um prato de comida às bocas  pequeninas famintas, a receita médica deixada sobre a mesa e sem a contrapartida de um remédio ao qual o dinheiro pudesse comprar... Vedes que têm mais que imaginas ter? Abrindo os olhos da tua consciência, verás que és feliz.


Qual beleza encontra-se escondida subliminarmente nessa mensagem, segredada ao ouvido deste mensageiro... "Mas quem é essa pessoa para falar sobre ânimo?!", perguntariam alguns, enquanto a própria falange Crística tem deixado escrita a resposta a essa pergunta em uma tinta que jamais se apaga: atentemos à mensagem e não ao mensageiro. Do contrário, as escolas estariam vazias e os consultórios desocupados.

 Como é comum o sentimento de vazio que nos acomete subitamente, como se nada fizesse sentido em nossas existências! A cada novo dia despertamos, fazemos nossa higiene, nos vestimos e passamos a nos dedicar às obrigações diárias e, quando retornamos à casa, o cansaço e a obsessão doentia latente combinam-se, reforçando o pensamento insano que nada fizemos de produtivo à nós mesmos, que não temos felicidade. O chefe exigente, o transporte público lotado, as pessoas queridas que não retribuem ao apreço que pensamos oferece-lhes... Quando decidimos perscrutar as trevas que habitam dentro de nós, já estamos doentes. A doença misteriosa é diagnosticada pelos médicos do plano físico como depressão ou outra disfunção qualquer, e tratada com moduladores de humor, talvez calmantes e indutores do sono. Enquanto isso, a doença real encrusta-se ainda mais nos alcantilados de nosso ausentar...

Ainda mais sorrateira é a forma com a qual muitos procuram compensar essa “decepção com o mundo”, por meio de hábitos que os concedam alguma forma de prazer. Imediatamente, nos veem à mente os dependentes químicos e alcoólatras, cuja situação de degradação é mais evidente.  Menos aparentes e de efeito destrutivo lento e silencioso, mas não menos devastadores, são outras formas de dependência, tanto a calmantes, a sexo ou a padrões mentais e comportamentais destrutivos. Muitos boicotam aos que os rodeiam e a si próprios, por meio de um egocentrismo desmedido, pela amargura nas palavras, pelo preconceito ou pela violência física ou moral. Quantos pais, na educação de seus filhos, repetem os erros de seus próprios genitores, descontando toda uma gama de traumas passados nas pobres criaturas! E assim fazendo, insanamente acreditam estar aliviando à tensão, a “decepção com o mundo”. Muitos optam por uma vida com drogas, enquanto outros preferem ter uma droga de vida...

Vibrando em uma sintonia afim, criaturas do plano espiritual que igualmente vagam no deserto do auto-engano, aproximam-se destes seres que passam por tais dificuldades, piorando ainda mais o quadro degenerativo. Alguns médiuns, com intensões boas porém míopes, acabam identificando a relação parasitária, culpando tais espíritos pelas desventuras dos encarnados, sem no entanto identificar ou tratar as trevas que mais uma vez escondem-se no vaso carnal. Com algumas sessões de desobsessão, diagnosticam a dita cura: “foi-se o encosto!”. Minutos mais tarde, entretanto, ao sair do templo santo do terreiro, o paciente volta a ser vitima de seus próprios pensamentos insanos, lançando-se novamente a senderos tortuosos do engano e sintonizando-se, uma vez mais, àqueles seres aos quais atribuía o papel de algozes.

 

Que então possamos identificar as trevas que habitam nosso interior, para que possamos ver as belezas diversas de nossa existência, que passam despercebidas enquanto optamos por reclamar e a culpar aos outros ou à providência divina por tudo.

 

Obrigado aos mentores e amigos espirituais pelos ensinamentos.

 

07/02/2011

Xamacuã Burukú ..


“Traz-me porventura a candeia para ser colocada debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser posta no candeeiro? Porque nada há oculto, que não deva ser descoberto, nada secreto que não deva ser publicado. Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça. Atendei ao que ouvis: Com a medida com que medirdes, vos medirão a vós, e ainda se vos acrescentará. Pois, ao que tem, se lhe dará, e ao que não tem se lhe tirara até o que tem” (Marcos 4; 21-25)

 

Quantas vezes não ocultamos, aos olhos de outrem, nossas qualidades e capacidades, talvez nem tanto por sermos humildes ou por querermos não demonstrar alguma vaidade, mas pela simples incapacidade em rompermos certos taboos, certos papéis aos quais a sociedade ou nossa família nos impõem?

Durante longos anos, aprendemos a absorver certos padrões mentais ditados pelas pessoas que nos rodeiam, que estabelecem o que é certo e errado, o bom e o mal, desconhecendo que, em algumas vezes, a origem de tais pensamentos jaz em mentes doentes ou perturbadas... Assim, não incomumente, imperam em nossas decisões cotidianas alguns pensamentos como: “você não consegue fazer isso sozinho”(pensamento aprendido na infância); “não vale a pena...ninguém reconhece seu esforço” (trabalho); “isso é bobagem, não faz sentido!” (sociedade); “o que as pessoas vão pensar?” (sociedade, família); etc.

Ao primeiro sopro da descoberta da influência nefasta do exterior em nossos pensamentos, nos revoltamos, praguejamos, nos sentimos injustiçados e vitimados! Mas, talvez seja tarde... pois temos vagado em um pântano fantasmagórico de nossas próprias ilusões, sentindo-nos incapazes de vencer a névoa de nosso desânimo em buscar uma saída... ou talvez nos surpreendamos em descobrir que estamos influenciando outras pessoas com os mesmos pensamentos que aprendemos ao longo dos anos!

Obviamente, me incluo em todas essas situações, pois somos os primeiros a aprender com o que dizemos, já que nossos ouvidos são os que estão mais próximos de nossa própria boca.

Em outro dia, em nosso querido Mapory, dois jovens rapazes (mas de espíritos antiguíssimos, certamente) me ensinaram uma bela lição. Em determinada gira, eles auxiliavam um mestre a segurar duas velas, enquanto eu segurava seu cálice... Assim mesmo: sem perguntar o porquê, mas pela simples vontade de ajudar. O tempo foi passando e passando, as velas queimando, sua cera derretendo, mas eles mantinham-se firmes. Enquanto isso, o cálice em minha mão, o cálice sem base na qual eu pudesse apoiar em algum canto... Os pensamentos aprendidos ao longo dos anos desta encarnação me estimulavam a desistir da incumbência em segurar o cálice, os pensamentos do cérebro físico. Mas o xamanismo é o reconhecimento de sinais da verdade, da manifestação divina dessa verdade, e não se é xamã em apenas alguns minutos, mas sim 24 horas por dia (como diz o mestre Xamacuã). Dessa forma, abriram-se os olhos de minha consciência e calou-se minha razão “científica”: enquanto eu pensava em desistir, perante a mim os dois jovens continuavam respeitosamente sua tarefa que não fora propriamente explanada, mas à qual eles se entregaram pelo simples prazer de servir, pelo simples fato de que aquilo era o que devia ser feito.

Quantas vezes não estamos no lugar daqueles jovens, e achamos mais fácil e mais lógico simplesmente largar as velas, deitá-las sobre o solo e irmos fazer algo que nos fosse mais agradável? Quantas vezes não continuamos a segurar as velas, por risível medo sobre o que as outras pessoas poderiam pensar, ou por não acharmos o menor sentido lógico para aquilo (já que aprendemos a obedecer a uma lógica estabelecida por doutores de certificados emoldurados)?

Talvez possa fazer mais sentido irmos àquela festa, trabalharmos exaustivamente nosso corpo em uma academia para sermos bem vistos socialmente, nos entregarmos compulsivamente a alguns prazeres físicos, do que simplesmente segurar uma vela... Mas por algum motivo ela nos foi confiada e, parafraseando as escrituras santas, não nos é dada uma responsabilidade maior do que aquela pela qual somos capazes em nos responsabilizarmos (ou um peso maior do que aquele que podemos sustentar).

Assim, naquele dia, as velas não foram abandonadas por aqueles jovens, nem me demovi em segurar o cálice, até que o guardião retornasse. E ele, o guardião, segurou as velas até que a missão oculta se realizasse, quando os dedos que as sustentavam já ardiam com o calor das chamas.

Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça.”

Xamacuã Buruku 

04 04 2011 (soma = 4 = estrutura, base, responsabilidade)


A candeia

04-04-2011 23:50
“Traz-me porventura a candeia para ser colocada debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser posta no candeeiro? Porque nada há oculto, que não deva ser descoberto, nada secreto que não deva ser publicado. Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça. Atendei ao que ouvis: Com a medida com...

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O homem do primeiro dia*

 

Numa tarde de domingo, dois religiosos realizam um estudo bíblico. Discorrem inflamadamente sobre as escrituras e as interpretam da forma como aprenderam com outros estudiosos de maior experiência, frequentadores do mesmo templo. Alguns pedestres detém-se ao passar por eles, procurando ouvir palavras que possam confortá-los.

 

O texto escolhido como objeto de estudo foi o Evangelho Segundo João. Animadamente, os dois companheiros de fé comentam sobres os diversos milagres de Jesus, desde as curas que realizou até a multiplicação de pães e a parábola da videira.

 

Um dos rapazes passou a notar com maior intensidade o calor daquela tarde de verão:

 

- Faz calor, não? – dizia, procurando secar a testa por onde desciam filetes de suor.

 

Mas o outro rapaz deu de ombros, prosseguindo a leitura, acompanhada de seus comentários. O calor acometia de forma misteriosa o primeiro que, naquele momento, já tinha a camisa totalmente ensopada.

 

- Você não sente?! O calor está muito forte... Não me sinto bem – ao dizer essas palavras o jovem perde o equilíbrio, sentindo uma forte tontura. O outro rapaz ampara o amigo inconsciente, assentando-o em um banco próximo, até que recupere os sentidos físicos minutos depois.

 

- Amigo! O que houve? Você desmaiou! Sente-se melhor agora? Bem, acredito que sim... Vamos, retomemos os estudos! – diz ele, tomando a bíblia em suas mãos e assentando a de seu companheiro sobre seu colo.

 

- Eis que vejo os homens do primeiro dia – levanta-se, aturdido, deitando sua bíblia sobre o assento – mas entre eles não está Adão.... Seria isso possível, meu Deus?! Seria obra de Satanás, que confunde a visão e turva meus pensamentos?!

 

- Blasfêmia ! – grita o outro rapaz, que fecha a bíblia com violência.

 

- Shh shh shh ! Espere! Espere! Deixe-me contar a visão que tive enquanto inconsciente estava, e talvez você possa ajudar-me a entendê-la! – levanta-se e caminha pensativo, olhar perdido no espaço – Estou muito confuso... Se Adão foi o primeiro homem, feito de barro por Deus... Mas a visão foi absolutamente vívida! Os globos oculares daqueles homens primitivos, fruto da evolução de Darwin, estavam fixados em órbitas vazias, com o brilho opaco de uma vida instintiva! Grunhidos saíam de sua boca, em sons inteligíveis que pouco assemelhavam-se a palavras, de um dialeto primitivo...  O espírito habitava a terra ancestral, num aspecto coletivo. “Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu”, conforme Evangelho de João.

 

Procurando retomar o fôlego, em decorrência da excitação à qual fora acometido, o jovem faz uma nova pausa, abrindo agora o lenço e agitando-o no ar, enquanto procura explicar o que vira:

 

- Meu Deus... uma imensa caravana de espíritos orbitavam nosso planeta, aguardando o derradeiro momento da evolução humana para então desembarcarem, e então fazerem-se “a luz dos homens” – finaliza, repousando o lenço sobre cabeça de seu amigo, que mal consegue conter seu estarrecimento.

 

- Ora! Não acredito em tal asneira! – esbraveja, retirando o lenço e jogando a bíblia sobre o solo.

 

Mas a revolta de seu amigo já não mais o incomodava. Com um olhar resignado ante sua reação enérgica, retoma a bíblia atirada ao chão e a devolve ao seu dono, citando passagens daquele capítulo bíblico:

 

- “E todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”. “E o verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, como a do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”.

 

Xamacuã Burukú

16/06/2010

 

*Conto baseado na obra “Exilados de Capela”.


A Páscoa

“Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, a afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria; nas quais, também, em outro tempo andastes, quando vivíeis nelas. Mas agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca (...) já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou. Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade; suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. (...) E, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição. (...) E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens” (Colossenses 3).

 

Além do símbolo intrínseco do sacrifício de Cristo pelas criaturas terrenas, a Páscoa nos convida à meditação sobre o real sentido de nossas existências.

No exercício do conhecimento interno, percorri o caminho da espiral do templo abençoado da Legião da Boa Vontade, em Brasília, meditando sobre todos meus maiores erros e medos enquanto caminhava pela espiral negra, até o centro, e procurando lembrar minhas qualidades e virtudes enquanto percorria o caminho alvo, que leva para fora da espiral.

Para minha surpresa, notei que é muito mais difícil lembrar minhas qualidades, ao passo que os erros e vicissitudes fluem naturalmente, com grande facilidade... Humildade e resignação? Prefiro acreditar que, algumas vezes, temos um prazer masoquista pela dor e a ela nos agarramos como verdadeiras relíquias, fortalecendo aquilo que unicamente conhecemos: o homem velho que habita em nossas atitudes. E nessa fraqueza regozijam-se hordas espirituais inferiores, que se sentem de alguma forma beneficiadas pela nossa incapacidade de despojar-nos dos velhos costumes.

Muitos podem se perguntar se não seria mais simples que Deus abolisse o livre arbítrio, já que tropeçamos constantemente em nossas debilidades. Mas, em nossa longa caminhada pelos senderos da evolução, sempre nos depararemos pelas bifurcações decisivas, com torcidas diferentes para o “erro” e para o “acerto”...

Como ilustração desse fato, vale lembrar o conto daquele velho índio, que disse a seu neto que a luta que o ser humano trava, em seu próprio interior, entre o bem e o mal, é semelhante à briga de dois lobos. Quem vencerá tal combate? “Aquele que você alimentar”.

 

Feliz Páscoa a todos!

 

Xamacuã Burukú

24/04/2011

 


Meu cachorro morreu faz talvez dois meses. Morreu não: fez a passagem, desencarnou, transmutou-se, mudou de morada, enfim, escolham a definição que melhor os aprouver.

Obviamente, fiquei muito triste em não mais tê-lo fisicamente ao meu redor, me culpei, blasfemei, mas ainda fiquei resignado com a ideia de ter compartilhado de dezoito anos de sua companhia.

Foi quando um amigo me disse a seguinte frase: “seu cachorro um dia voltará a te procurar e por certo ele te encontrará novamente”. Algumas palavras daquele nobre amigo, embora já conhecidas no meu pouco extenso vocabulário, soaram diferente naquela vez: “seu”, “voltará”, “encontrará”.

Meditando sobre elas, conclui que ele nunca fora “meu”, já que, pensando na vida física finita e na infinita vida espiritual, somos apenas inquilinos de tudo que pensamos ter: casa, carro, outros bens materiais e nosso próprio corpo, sendo o único proprietário real o próprio Deus. Ora, se não somos proprietários de nada, como poderia me dizer que aquela carinhosa criatura teria sido “minha”? Fomos, sim, companheiros de caminhada.

Já a palavra “voltará” era mais complicada de entender... Como ele voltaria, depois de ter partido, de haver mudado ou se modificado? E, mais complexo ainda, como ele me “encontraria”, pois de certo eu também tenho passado por uma grande transformação? Ele me reconheceria, ou me aceitaria?

De qualquer forma, abracei a ideia carinhosa daquele amigo, passando a me dedicar aos planos daquele possível reencontro, com a paixão da ideia de uma nova convivência. Seria tudo diferente desta vez, pensei. Procurei, então, limpar todos os cantos da minha morada de qualquer vestígio de malefícios à sua saúde, reexaminei minha consciência sobre os erros que eu havia cometido e tracei planos sobre como as coisas deveriam ser e, finalmente, reconstruí sua casinha, desta vez não mais no meio do quintal frio, mas no aconchego interno do lar.

Entretanto, o tempo foi passando, e um misto de ódio e revolta me levou a destruir e a reconstruir aquela casinha várias vezes. A ideia de procurar o conforto da companhia de uma criatura, mesmo que de espécie ou raça diferente, nunca chegou a me comover. Assim, segui cambaleante em minha trôpega esperança de reencontrá-lo.

Foi quando um dia finalmente o revi. Tinha certeza que era o mesmo! A cor em suas nuances, as orelhas, patinhas, estava igual! Mas notei que ele caminhava ao lado de um novo dono (ou companheiro... bem, depende da relação e da identificação feita por ambos). Qual foi minha revolta em ver aquele velho balofo barbado (desculpem...mas foi essa a vibração na hora) sorridente, ao lado do meu cãozinho! As circunstâncias daquele acontecimento eram surreais, bem sei, pois é pouco crível que um animal pudesse voltar ao seu “dono” após ter feito a “passagem”.  Mas, para mim, a certeza era maior que todas as dúvidas. Aquele era o “meu” cachorro, apesar de não ter me reconhecido ao caminhar na mesma calçada que eu estava. De nada havia adiantado, pensei, ter passado semanas traçando planos, reexaminando minha consciência e tomado ações para um possível futuro ao seu lado, pois ele havia escolhido outro “dono”. Talvez um dono de mais posses, mais intelectualizado, mais atencioso que eu havia sido. Revivi então o luto e todos os pensamentos autodestrutivos que ele enseja.

Foi quando parei para examinar mais uma vez aquelas palavras: dono, meu, seu... Em tais reminiscências, às quais continuo preso, tenho tido talvez o maior ensinamento de todos e que talvez compreenda o mote mais popularmente conhecido: não somos proprietários de coisa alguma ou de alguém, mas sim tomamos emprestado os bens necessários à nossa sobrevivência e compartilhamos da companhia de algumas criaturas com as quais intercambiamos apoio, caridade, afeto... Dessa forma, sentimentos como egoísmo, inveja, orgulho e carência perdem importância e significado. Uma promoção que chegou a um companheiro de trabalho e não a você, um objeto guardado anos a fio que subitamente cai ao chão, o rompimento de uma relação amorosa, a perda de um ente querido... tudo ganha um novo significado.

Entretanto, às vezes me surpreendo olhando por minha janela, esperando, talvez, ver a meu grande amigo passar, na esperança que ele talvez me reconheça e queira novamente compartilhar de alguns instantes de uma inesquecível convivência. Nas palavras de um outro grande amigo: o amor “é a saudade que fica”.

Xamacuã Buruku - 17/05/2011


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Só podemos ajudar alguém, se nele confiarmos.

Pois o respeito pelos outros termina fazendo com que recuperemos o respeito por nós mesmos.

Se acreditarmos que uma pessoa pode melhorar, e esta pessoa sente que a consideramos igual a nós mesmos, terá ouvidos para nossas palavras. Acreditará que pode se tornar uma pessoa melhor.